NOTÍCIAS
Artigo – MP 1.085 e o Monstro de Horácio
09 DE MARçO DE 2022
Dobro-me à tarefa de interpretar e conjugar as disposições contidas na Medida Provisória 1.085/2021, baixada no lusco-fusco do ano findo, cotejando-as com a legislação do sistema registral brasileiro, buscando uma interpretação coerente e aproveitando o que de bom a medida provisória possa nos revelar.
Apresento à reflexão dos leitores alguns aspectos que poderiam ter sido objeto de debates e estudos antes que se consumasse a publicação da dita MP. São ideias e reflexões que julgo ainda permanecerem válidas e que podem ser úteis, a fim de contribuir com o transcurso do processo legislativo ou de posterior regulamentação pela Corregedoria Nacional de Justiça.
Grande parte do texto já havia sido objeto de debates marginais travados no âmbito do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, entidade que tive a honra de presidir à época em que as discussões se iniciaram e tomavam corpo. Foi, então, produzida e apresentada a Nota Técnica 2/2020, de 6 de agosto de 2020, em que se concluía que as disposições legais e normativas já existentes seriam mais do que suficientes para que os cartórios de registro de imóveis pudessem operar o Registro de Imóveis Eletrônico, de forma totalmente digital1.
No entanto, as discussões transcorreram num circuito estrito que envolveu agentes do governo federal, interlocutores do mercado e setores da própria categoria profissional. Ainda assim, como quem aparece de surpresa na festa sem ser convidado, oferecemos críticas bem fundamentadas ao projeto, quando, ainda no ano de 2020, as ideias germinavam e eram agitadas interna corporis entre alguns poucos registradores2.
Lamenta-se que não tenha havido uma discussão pública travada diretamente com as lideranças mais qualificadas da corporação registral, nem com a comunidade jurídica. Não se ouviu, tampouco, a Academia, nem se auscultou os registradores que congregam em organismos internacionais como o IBEROREG – Rede Registral Ibero americana e IPRA-Cinder – InternationalProperty Registries Association, entidades com as quais o IRIB mantém estreitos laços de cooperação técnica, científica e doutrinária de onde se poderia haurir bons exemplos a inspirar iniciativas de modernização dos registros prediais brasileiros.
Uma proposta de reforma legal, de tamanha magnitude, deveria ter sido posta em audiência pública, quando não enviada como projeto de lei ao Congresso Nacional, o que deveria ter sido feito. Ainda agora tomamos conhecimento de que o PL 4.188/2021, que tramitava em regime de urgência, o rito especial foi suprimido pela Mensagem de Cancelamento de Urgência n. 67/2022, do Executivo Federal. Foi retirada a urgência do texto com o fim de ser “inserido na MP (medida provisória) 1.085 e o tema continua sendo prioritário”, segundo noticiou o Portal R73.
Tenho absoluta certeza de que os técnicos do governo, instados por registradores e imbuídos da melhor boa-fé, estabeleceram uma interlocução que se revelou, afinal, ruinosa. Faltou aos interlocutores a experiência provada na diuturnidade do mister registral vivida nas pequenas, médias e grandes serventias do Brasil, além da minguada representação institucional. Perdeu-se uma rara oportunidade de atualizar o marco legal do Registro Imobiliário e reformar, com zelo e prudência, a conhecida Lei 6.015/1973, contribuindo com o impulso de modernização do sistema, fato reclamado pela sociedade, pelo mercado e pela própria administração.
A iniciativa do Ministério da Economia ainda assim é louvável. Ela deveria ter passado pelos canais de representação institucional da categoria, vale dizer, pelo IRIB, entidade que indiscutivelmente representa todos os registradores imobiliários brasileiros e que foi a responsável pelas boas iniciativas que frutificaram ao longo dos últimos 50 anos.
O texto revela algumas boas ideias que, a seu tempo, serão destacadas e valorizadas no labor a que me dedico de anotar e comentar esta MP passo a passo. Não desconsidero os imensos riscos de comentar uma norma inçada de reconhecidas dificuldades, potencializadas pela atecnia na redação de seus dispositivos, mas é o que nos cabe agora.
Enfim, temos a missão de enfrentar a iniciativa e tentar, da melhor maneira possível, contribuir para o sucesso das reformas, escoimando do texto suas imperfeições – desde sempre percebidas e explicitadas -, destacando outras que são virtuosas e sobre as quais voltaremos oportunamente, na série de textos que se seguirão nos comentários aos artigos e dispositivos da referida Medida Provisória 1.085/2021.
Clique aqui para conferir a íntegra da coluna.
__________
1 Nota Técnica 2/2020, de 6/8/2020. Disponível aqui. Afastando qualquer interpretação no sentido de que o IRIB, sob minha presidência, se omitiu em face dos convites enviados para apreciar e manifestar publicamente nossa opinião, indico o dossiê que se acha aqui.
2 Ainda em 2020 fizemos uma crítica pontual a vários dispositivos que afinal vieram na MP 1.085. Consulte aqui.
3 R7 PLANALTO. Nota de Mariana Londres. Brasília, 2/3/2022, 21H56. Acesso: https://bit.ly/3HJUURw.
Sérgio Jacomino: Quinto Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo. Presidente do NEAR – Núcleo de Estudos Avançados do SREI. Ex-presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR – Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra.
Fonte: Migalhas
Outras Notícias
Anoreg RS
Anoreg-BR promove “Encontro da Qualidade” com palestras e debates sobre a gestão de qualidade nos serviços extrajudiciais
23 de novembro de 2021
O “Encontro da Qualidade” terá início às 10 horas, e antecederá a cerimônia de premiação do PQTA e do...
Anoreg RS
O Maranhense – São Luís sedia encontro de corregedores-gerais dos tribunais de Justiça
23 de novembro de 2021
O resultado dos debates vão compor a Carta do Encoge, documento deliberativo do evento, que conterá os enunciados...
Anoreg RS
UOL – Veja como tirar o registro civil de nascimento, tema da redação do Enem
23 de novembro de 2021
A Agência Brasil aproveita o mote para explicar o que fazer para se ter acesso a esta que é a primeira ferramenta...
Anoreg RS
G1 – Enem 2021: veja redações sobre ‘Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil’
23 de novembro de 2021
Tema de redação do exame foi analisado por professores que fizeram suas próprias versões de texto...
Anoreg RS
Revista Piauí – Questões da desigualdade brasileira
23 de novembro de 2021
Tema da redação do Enem, os brasileiros sem documentos, como Maria da Conceição, protagonizam dramas e, por...